nem frio, nem calor: apenas o cheiro de Jasmim, 2019
nem frio, nem calor: apenas o cheiro de Jasmim, 2019
TÃO LINDAS ESSAS REDES! MAS... QUANTO VALE O LABOR DE UMA ARTESÃ?
Refiro-me à artesã, no gênero feminino, porque ela constitui a visível maioria das pessoas que garantem a alta qualidade do acabamento artesanal das redes de dormir, em Jaguaruana, embora tenhamos encontrado, também, homens realizando essas atividades.
O que queremos pensar aqui, que certamente tem relação estreita com o fato de serem elas predominantemente do gênero feminino, é sobre o seguinte, vamos considerar alguns fatos: não é raro que a reação primeira ao apreciarmos uma bela rede de dormir seja de admiração, quando a vemos exposta na varanda, na sala ou no quarto. Gente de muitos cantos a adquirem e a exibem como um artefato atraente, destacando-a em seus espaços e tendo-a como um bem inspirador de descansos e sonhos; além daqueles que já a possuem desde que nascem, que já a incorporaram como parceira "natural" do dia a dia e que a mantêm em suas casas, compondo os ambientes e nela dormindo.
Quando se anuncia que a rede é artesanal, mais suspiros e elogios ela ganha. E mais valor ela tem! As redes de Jaguaruana estão no topo do que há de melhor e mais bem produzido no universo das redes de dormir. Sem exagero, são uma verdadeira marca, são faladas e reconhecidas por sua qualidade, e, às vezes, são até imitadas, vejam só! Há redes que não o são, mas bem que queiram ser. Risos.
O que muitos provavelmente não cogitam, porém, é que lá no Brasil profundo, onde as redes são confeccionadas, lá nos recantos longínquos, distantes das cidades grandes, lá onde parecem estar escondidas as artesãs e seus encantos, há um labor árduo, demorado, produzido em condições difíceis e de baixa, baixíssima remuneração.
Somente em maio de 2021, um dia desses, o Ceará, ganhou o seu primeiro selo de Indicação Geográfica (IG), na espécie Indicação de Procedência (IP), concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Adivinhe qual é a graça desse produto??!! Elas, justamente: as redes de Jaguaruana. Tal selo valoriza e visa a proteger sua qualidade e sua originalidade, definindo critérios de produção e evitando que unidades feitas em outros locais sejam vendidas como se de Jaguaruana fosse, fato esse comemorado pelos fabricantes. No entanto, e isso fizemos questão de perguntar ao Presidente da Associação dos Fabricantes de Rede de Jaguaruana, Júnior Pinheiro, o selo não prevê a melhor remuneração das artesãs e dos trabalhadores de um modo geral. O selo parece olhar, então, para o produto e para o produtor. Mas não cuida de quem, na prática, a produz, de quem segura sua qualidade literalmente na mão: as artesãs. Talvez o selo, por suas características, não tenha esse alcance, mas, contraditoriamente e muito provavelmente, ele estará em risco, se pensarmos em sua existência pelos próximos anos e décadas. Imaginamos haver um projeto de futuro e não apenas de valorização do passado ou mesmo de garantias para o presente, quando um selo dessa natureza e de tamanha amplitude – por seu caráter nacional - é instituído.
A análise está muito genérica? Pois vamos entrar em alguns exemplos (é quase certo que quem nos lê vai assustar-se com os números, supomos sua reação): uma artesã recebe em torno de R$2,00 (dois reais!), por seu trabalho, em cada rede, e o executa em cerca de dez redes, diariamente. Entendeu? Faça as contas: R$2,00 X 10 igual a R$20,00 (vinte reais!), por dia de trabalho. De uma labuta que começa bem cedinho, que se estende por horas diárias, que ocupa parte de sua casa e de sua família, que precisa ser dividida com as diversas tarefas do lar e que não a deixa descansar nenhum momento, até o entardecer, às vezes avançando pela noite... R$20,00 por dia! Se ela trabalhar 6 dias por semana, ganha R$120,00 (cento e vinte reais!), semanalmente! Isso dá cerca de R$500,00 (quinhentos reais!), por mês. Menos da metade de um salário que já é mínimo, hoje – 2022 – no tímido valor de R$1.212,00 (mil duzentos e doze reais).
Toda essa conta é somente para assustar e entristecer a leitora e o leitor? Não, claro que não. Mas é para pensarmos juntos que se a precariedade dessas condições de trabalho e a baixíssima remuneração já vêm tornando escasso o número de moradoras interessadas em seguir essa tradição, é muito provável que as novas gerações cultivem cada vez mais outros sonhos profissionais. A maior escolarização vai abrindo possibilidades... O que é ótimo. Mas também pode trazer maior qualificação para as artesãs, o que é/seria maravilhoso, manter profissionais no artesanato, com maior escolarização, desde que alcançando condições de trabalho e remuneração dignas.
O risco do desaparecimento das etapas artesanais na feitura das redes, portanto, existe. E isso foi, de certa forma, anunciado, tanto nas falas das artesãs quanto dos próprios fabricantes com quem conversamos. Assim, há risco para a própria manutenção do selo IG, recentemente concedido, pois ele exige, entre outras condições, o acabamento artesanal das redes de Jaguaruana. Supomos que é de interesse dos produtores e dos gestores públicos manterem essa qualidade e garantirem o selo. Para isso, mais do que reconhecer o problema, é considerá-lo uma urgência, no que diz respeito à dignidade de vida e de trabalho das artesãs. Há de se viabilizar soluções, para além do argumento da competitividade que não permite melhorar a remuneração delas. E essas soluções, pelo que vimos no desenrolar dessa história, está mostrando que passam, inevitavelmente, pela valorização do trabalho, pela remuneração justa e pelas condições em que elas trabalham e vivem, inclusive porque trabalham onde vivem.
Sobre o selo IG das redes de Jaguaruana
https://ifce.edu.br/noticias/rede-de-jaguaruana-recebe-indicacao-de-procedencia-ip