nem frio, nem calor: apenas o cheiro de Jasmim, 2019
nem frio, nem calor: apenas o cheiro de Jasmim, 2019
DA FABRICAÇÃO DA REDE DE DORMIR
Urdição-tecelagem-torcimento-gradeamento-mamucaba-varanda-empunhamento-carel
Assim mesmo, emendadinhas, é que essas palavras nos dão a ideia da feitura de uma rede. Como um fio condutor, elas indicam etapas da fabricação e pouco a pouco revelam as cerca de quinze pessoas envolvidas na produção de cada rede de dormir. Isso mesmo que você leu: quinze pessoas para a feitura de cada rede, incluindo, aí, aquelas que cuidam do transporte, da limpeza e da embalagem. Cada etapa é realizada por uma ou duas pessoas, quase sempre uma. No caminho que percorremos, artesãs, operários e fabricantes nos ensinaram um pouco - para nós, muito! - sobre a sequência de toda a produção ou, mais detidamente, mostraram-nos cada uma de suas fases e facetas, apresentando-nos, com mãos incrivelmente ágeis, a parte da confecção que lhes cabe. E nosso olhar corria, quase sem êxito, tentando acompanhar e entender a rápida dança daqueles movimentos.
A cadência das máquinas, com seus sons fortes e ritmados, o ambiente da fábrica entre ferramentas, graxa, poeira e operários atentos - pois as máquinas não são automáticas e dependem, sim, da presença constante e observadora de quem as manuseia -, encanta pelos largos fios, que formam, passo a passo, desenhos diversos em suas tecelagens. Cores, muitas cores saltam nessas paisagens, mesmo quando a preferência é por tons naturais.
Feita a tecelagem na máquina, a rede seguirá o percurso artesanal. De casa em casa, vai ao lugar de morada e de ofício das artesãs e dos artesãos - fato esse que parece denotar certo bem estar, pela possibilidade de o trabalho ser realizado em casa, mas que impõe, quase que inevitavelmente, uma rotina feminina sem fim, já muito conhecida e denunciada, na qual acumulam-se funções, nem sempre valorizadas.
A rede, nesses cenários, ganhará novos contornos, entre torcidas, nós e puxões, aproximando-se, a cada lar-oficina, da rede que conhecemos e desfrutamos em nossas casas, mas que talvez nem saibamos nela ver a presença de tantas e sábias mãos, de pessoas, famílias e gerações dedicadas a essa história.
Agora, então, não tem mais como! Não tem mais como olhar para uma rede, essas belezuras de Jaguaruana, sem pensar no passeio que ela faz pela cidade, tecendo-se pelos bairros, pelas ruas de terra, pelas estradas distantes, crescendo de um jeito múltiplo, pois acrescida pouco a pouco e de mão em mão, em uma ciranda de muitos, até chegar aqui. Ou aí. Olhar a tecelagem, a varanda, o punho é pensar que em algum momento a rede foi gestada por um operário, em uma máquina ruidosa, branquinha de poeira, entre fios a girarem e a percorrerem-se; que esteve empilhada na varanda ou na sala de uma casa feita oficina; que por ali deitou um cachorro manhoso ou um gato matreiro; e, certamente, que passou pela mão ligeira e calejada de uma artesã ou de um artesão; que – honrada – dependeu da experiência de uma anciã; que atravessou os sonhos de uma jovem distraída e que contou, talvez - o que não deveria - com a mão pequenina de uma criança; tramando-a, todos eles, nesse bem precioso da cultura de um lugar, de uma cidade que fez e faz história na fabricação de preciosas e inigualáveis redes de dormir.