Panorama
Por desespero, escolhi fotografar os últimos instantes de vida do meu pai para guardá-lo “vivo” até que, em outro espaço/tempo, pudesse elaborar sua morte. Carreguei três câmeras com três filmes coloridos e fotografei meu pai vivo e os lugares por onde transitei entre os dias 17 e 19/09, seu velório e o espaço onde foi cremado no dia 20/09/2019. Rebobinei esses três filmes, e ao invés de revelá-los - dando fim ao processo - os coloquei novamente nas câmeras, expondo a película mais uma vez, como um modo de continuar dilatando a dimensão de estar presente, em dupla exposição. Viajei até a cidade onde ele gostaria de estar, levei suas cinzas e fotografei os lugares nos quais estivemos juntos há 27 anos atrás.
A imprevisibilidade da técnica de rebobinar o filme fez com que mais de duas exposições se sobrepusessem, de modo não linear, criando o formato panorâmico em que os filmes foram digitalizados e acabaram por assumir posições involuntárias enquanto realizavam o último desejo de meu pai: morar em Morretes.
Curiosamente, essa justaposição de espaços em perspectiva não criou simplesmente uma soma ou uma união clara entre nós em duas exposições - ambas igualmente dispostas uma sobre a outra. Mas enquanto, por um lado, o sujeito em sua passividade e, por outro, o observador em sua impotência, combinados resultaram em uma nova dimensão, uma possibilidade diferente. Meu pai e eu criamos um material de superfície do inimaginável, talvez um tríptico espacial ou um panorama fotográfico que tenta, sem sucesso, acumular fragmentos de uma viagem, uma jornada.